Um homenageador ao contrário
Estava agorinha há pouco lendo sobre
uma homenagem (póstuma) que foi feita no Rio de Janeiro à Carolina Maria de
Jesus, autora do livro Quarto de Despejo. Minha
primeira reação foi: Uau! Que
bom ver que essa autora ainda é lembrada, lida, homenageada.
Mas,
conforme ia terminando a notícia, a temperatura baixou. Fui arrefecendo,
arrefecendo, até perder, por completo, todo o entusiasmo. Pois bem, um dos
convidados, escolhido especialmente para prestar homenagens à escritora acabou
fazendo o contrário.
Parece que ele até começou bem, mas, no contínuo a coisa degringolou e o tempo que lhe fora dado acabou sendo utilizado para considerações sobre o que é literatura e o que pode ser considerado como tal. Na opinião do homenageador ao contrário a obra de Carolina Maria de Jesus definitivamente não poderia ser classificada como tal.
No meio acadêmico, tal discussão é mais antiga
que o papai do Matusalém, e até hoje não rendeu muita coisa, além de
intermináveis discussões que não alcançaram qualquer consenso ou objetividade. Muitas
vezes, essa discussão deixa de lado o maior interessado nisso tudo, o leitor. E
na maioria das outras, deixa de fora um fator fundamental: a essência da
literatura. De mais a mais, discussões desse teor são saudáveis e enriquecedoras,
desde que estejam postas no seu devido lugar e circunstância. E aquela noite do
dia 17 de Abril não era nem uma coisa, nem outra. Era noite de festa e homenagem, noite de celebrar,
dançar e flertar com a Literatura. Não de questioná-la.
Carolina escreveu contos, poesias e
romances. Sua obra mais conhecida Quarto
de Despejo foi traduzido para mais de treze idiomas, vendido em quarenta
países e retrata de maneira pungente, a vida na favela no final da década de 50
e início da de 60. Esse ano entrou para a lista de leituras obrigatórias do
vestibular da Unicamp.
“Quem não tem amigo, mas tem um livro, tem uma estrada.”
"(…) em 1948, quando começaram a demolir as casas térreas para construir os edifícios, nós, os pobres que residíamos nas habitações coletivas, fomos despejados e ficamos residindo debaixo das pontes. É por isso que eu denomino que a favela é o quarto de despejo de uma cidade. Nós, os pobres, somos os trastes velhos."
"As horas que sou feliz é quando estou residindo nos castelos imaginários.”
( trechos do livro Quarto de Despejo, Carolina Maria de Jesus, 1960)
Naquele tempo o maior
problema no Brasil era a fome. É a fome que permeia a escrita de Carolina. O
quarto de despejo, a metáfora certeira, a imagem perfeita da imensa desigualdade
social que havia no Brasil da época. Carolina estudou até o segundo ano
primário, apenas. Não é incrível? Carolina não conseguia dormir sem antes ler
um livro. Carolina tinha 40 cadernos escritos. Uma escrita bela e autêntica.
Carolina olhava as
estrelas, observava o cotidiano, analisava. Pensava sobre tudo. Independente do
que a vida lhe tinha dado, ainda assim, tinha alma de escritora. É o tipo de
alma galopante, a mais potente que existe. Ninguém pode conter. Carolina segue
imortalizada na plenitude dos tempos. Será sempre lida, sempre lembrada. Doa a
quem doer.
P.S. : a poetisa Elisa Lucinda (Elisa Lúcida), estava lá presente e falou após o homenageador ao contrário. Foi maravilhoso. E rendeu à Carolina a justa homenagem que lhe era devida, colocando todos os pingos nos is. Deus é pai.
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